quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

“DE TANTO VER AGIGANTAREM-SE OS PODERES NAS MÃOS DOS MAUS”




 
“De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” ( Rui Barbosa)

Com esse belíssimo texto, trecho da Oração aos Moços, escrita por Rui Barbosa aos formandos da turma de Direito de 1920, da qual ele seria paraninfo, mas por estar doente não compareceu e mandou o discurso, quero iniciar mais do que uma crônica, um desabafo.
Me sinto profundamente envergonhada quando percebo a covardia de algumas pessoas, pessoas estas que julgava dignas. Minha vergonha vem do pesar que sinto quando percebo que dignidade é hoje uma palavra meio fora de moda. Ouço, com muita frequencia, as pessoas ao meu redor falarem que quando o assunto envolve dinheiro, todos tem seu preço. Não posso discordar, pois percebo que realmente na maioria das vezes é assim. “Salvam-se os dedos, ficam-se os aneis”.
Mas isso é, na verdade, uma questão de princípios, de valores. Valores envolvem sentimentos profundos como ética, dignidade, coragem, respeito, verdade...
Quando alguém que julgávamos coerente, inteligente, que sabe diferenciar o certo do errado, o bem do mal, que possui um raciocínio lógico, se “vende”, vende seus valores, vende sua 'alma', nos perguntamos “até tu, Brutus”? Vocês sabem a história desta frase, não? Foi dita por César, quando foi assassinado, à traição, e seu sobrinho Brutus estava entre os traidores. Realmente é decepcionante contarmos com alguém que passa para 'o outro lado', que nos 'trai', mas principalmente que trai a si mesmo. Sua consciência fica em paz? Há justificativas para esse comportamento? Não sei. Certamente para o 'traidor', o 'vendido', deve haver, mas elas já não nos interessam mais, por que o melhor já foi perdido: o respeito.
Essa perplexidade com os atos do outro é o resultado da falta de reflexão sobre o quão frágil são as relações humanas, o quanto desconhecemos nosso próximo, o quanto o jogo de interesses mostra quem é quem no momento certo.
Nossos valores, coisas que temos arraigados dentro de nós a vida toda, muitas vezes são herdados de nossos pais, de nossa educação, mas também de nossa própria reflexão sobre a vida, sobre o portar-se no mundo, sobre nossas relações, nosso credos, nosso sentir. A vida nos testa o tempo todo e quando nos defrontamos com situações que escancaram nossa verdadeira personalidade, que fazem com que um faxineiro, um motorista de ônibus ou qualquer outro profissional, cujo salário seja pequeno, mas que demonstra honestidade ao devolver uma bolsa, um saco, um envelope contendo muito dinheiro, ainda nos surpreendemos, principalmente aqui no Brasil. Uma pessoa assim, honesta, íntegra, tem muita coragem ao devolver um dinheiro que mudaria sua vida, resolveria muitos de seus problemas. Mas é aí que está contido seu verdadeiro valor: a honestidade. Então, nem todos temos um preço, como apregoam por aí os mais pessimistas. Há pessoas que tem seu preço.
É duro quando a máscara do outro se desfaz diante de nossos olhos e percebemos sua fragilidade, sua covardia. O sentimento que temos é um misto de revolta, indignação, perplexidade, tristeza...
Mas, por outro lado, quem tem suas convicções jamais desiste, nem imita o proceder alheio, pois esses 'valores' de que tanto falei, estão íntrínsecos, são quase uma tatuagem que trazemos impressa em nosso íntimo, nosso ser.
Por isso, não tenhamos vergonha de sermos quem somos, de fazermos nossas escolhas, de sermos honestos, íntegros e bons, por que a recompensa é exatamente a consciência tranquila. E esta, não tem dinheiro que pague.

CRÔNICA POSTADA EM 08.11.2011

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