segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

SABORES DE INFÂNCIA



Ontem estava vendo o Diario do Olivier na TV. É um programa culinário de um francês que foi casado com a atriz Déborah Bloch. Neste episódio que assisti ele convidou um chef, amigo dele, também francês e morando há 8 anos no Brasil.
O francês (que dizem eles foi pego de surpresa) foi convidado para preparar um coelho. Olivier admitiu que nunca havia preparado este prato e por isso convidou o amigo, pois este havia-lhe contado que sua avó fazia um como ninguém, quando ele era criança. Pensei em adaptar esta receita para o frango, pois pareceu ficar muito gostoso, com um molho cremoso e tudo. Mas divagações à parte, dizia eu que o tal Allan (este é o nome do francês) estava cozinhando o coelho e, em determinado ponto da receita, ele se emocionou. Seus olhos lacrimejaram, a voz embargou e ele confessou que preparar aquele coelho, todo o ritual, o aroma, o emocionava, pois fazia lembrar da avó e da infância, quando ela preparava o coelho. Ele tinha cabelos grisalhos nas têmporas, deveria ter por volta de 50 anos, mas ao sentir aquele cheiro ele se transfomou em um menininho.
Fiquei pensando no poder de nossa memória afetiva. O filme Ratatouille, uma animação, retrata bem isso, quando um crítico de gastronomia come um determinado prato, rattatouille, e também se emociona, lembrando a infância.
Ligamos os cheiros, os sons, à emocões positivas ou negativas e isso se chama memória afetiva.
Comecei a lembrar de quando eu era criança e minha mãe fazia pão. Eu e meu irmão Alexandre queríamos ajudar e ela nos dava um pedaço de massa e sugeria que fizéssemos bichinhos pra assar junto com o pão. Eram lagartixas de olhos de feijão, tartarugas, enfim, o que a imaginação mandasse. Que alegria era ver nossa produção assada, levemente bronzeada e apetitosa. Parecia que era mais gostoso que o pão!
Minha sobrinha Ana Luíza adora cozinhar. Desde cedo ela sempre mostrou aptidão e intimidade com a cozinha. Hoje, aos 6 anos, está mais 'escolada' e tem mais traquejo. Praticamente uma Chef !
Eu e ela fazemos juntas cajuzinhos, bolos, muffins...Ela gosta tanto de 'ajudar' que vou lhe dando tarefas leves, mas ela, como toda criança é meio desajeitada e derruba boa parte dos ingredientes. Houve um dia em que ela colocava uma xicara de leite no liquidifcador, mas derrubou um pouco e eu disse pra ela: Ana, é uma xicara, não meia, tá? E ela deu risada, compreendendo.
Ela também ajuda minha mãe e agora que aprendeu a ler, gosta de procurar receitas. Aí, pergunta pra avó: “Vó, tu tens esses ingredientes, tens?” E começa a ler tudo que vai na receita. Depois convida: “Vamos fazer esse, vamos?” Certamente ela lembrará destes momentos na vida adulta e poderá se emocionar, se for importante pra ela, somente ao preparar um desses pratos.
Tem a memória afetiva da infância com relação a culinária, mas também de frutas e outros alimentos que não preparamos, mas eram igualmente gostosos e nos remetem a determinadas situações.
Não era mais gostosa aquela goiaba que pegávamos no pé num terreno baldio, do que a que compramos hoje? Cheiro de bolo saindo do forno não lembra aconchego? E bife acebolado? E a melancia que comíamos ao chegar da praia? Geladinha, hummm! E o milho cozido, também ao chegarmos da praia, com um pouquinho de sal, não faz lembrar de momentos bons e despreocupados, de férias? Um amigo me fala do pudim de leite de sua tia, que era incomparável e que ela, antes de morrer, pediu que a mãe dele nunca deixasse de fazer o tal pudim pra ele.
Eu me lembro também do bolinho de polvilho da minha avó paterna. Por mais que eu tente nunca mais comi igual...
Vamos fazer esse exercício de memória e recordar desses doces momentos? Confessa, não vai ser difícil, né?

2 comentários:

  1. Lembre dessa poesia que fiz:
    O cheirinho se espraia
    Como ondas a propagar
    Cheiro de terra molhada
    De bolachinha assada
    Que vem de outro lugar.
    Recordações que espalha
    Qual fumaça em fogo de lenha
    O vento as nuvens moldando
    Estranhas formas aparecendo
    Das lembranças hoje é senha.
    O respeito era regra
    Não recordo de abraços
    Carinho não existia
    A segurança que ali havia
    Estreitava todos os laços.
    Hoje entendo o que passava
    Amaram-me como sabiam
    Sem efusão de sentimentos
    Ensinando a todo o momento
    E cobrando como podiam.
    Construindo quem eu sou
    Assim passaram-se os dias
    Inevitável acúmulo dos anos
    Com sonhos, ganhos e danos
    Nas manhãs quentes e noites frias.

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  2. Nada melhor que cheiros, sons, sabores e cores para trazer o que de melhor existe em nós: o amor depositado por pessoas queridas em nosso coração. É nosso amor, é amor do outro, é coisa só nossa que nada no mundo pode substituir.

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