quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O ENGANO



Meu pai sempre foi um ótimo protagonista para histórias hilariantes e não foram poucas as vezes em que ele nos fez ir às lágrimas de tanto rir (aliás, essa é uma característica que herdei da família dele: quando gargalhamos, quando "rimos de doer a barriga", sempre lacrimejamos ao mesmo tempo) nos relatando suas peripécias (que ainda nos dias de hoje acontecem. Na maioria das vezes devido ao seu divertido e distraído aquariano modo de ser).
Naquela vila em que sua irmã Noêmia morava, num lugar conhecido como Guatá, no sul de Santa Catarina, as casas eram todas iguaizinhas. Era uma vila de mineiros, ao pé da serra do Rio do Rastro, pertinho de Lauro Muller. Todas as casas eram de madeira, sem pintura, parecendo um conjunto habitacional. Não havia infra-estrutura e, naturalmente, não tinham água encanada. Na rua sem calçamento, havia torneiras grandes, de metal pesado, antigas, de longe em longe, em que os moradores poderiam se abastecer com baldinhos e bacias.
Mas essa água não tinha todos os dias, às vezes faltava, e era preciso ficar atento quando tinha, pois do contrário, como cozinhar ou tomar banho? Filas se formavam em torno das torneiras quase que diariamente.
Certo dia, quando ele a visitava, ainda um menino, de cerca de uns 10 anos, a irmã precisou sair, ir na casa da sogra, numa outra localidade, chamada de “Ranchão” (o nome era esse por que os mineiros novos que chegavam e suas famílias ficavam num rancho, num morro, à espera de suas casas que ainda estavam sendo construídas) e pediu que quando a água chegasse, ele corresse com os baldes para o abastecimento da casa. Foi categórica que ele precisava ser rápido e chegar antes de todos, por que a água, muitas vezes, acabava antes de acabarem todos os baldes e ela não queria que isso acontecesse.
O menino, apesar da pouca idade era obediente, responsável, cioso de suas obrigações e das necessidades que a irmã enfrentava. Ao perceber um barulho de água enchendo o balde de uma senhora, lá se foi, a toda brida, encher os tais baldinhos. Conseguiu alcançar seu intento e já 
retornava pra casa, extenuado sob o peso dos baldes cheios, quando, de longe conseguiu avistar muitas crianças que corriam pela sala, pois a porta estava aberta e ele conseguia vê-las mesmo daquela distância.
Indignou-se!
Ora, ele já tinha que carregar aqueles baldes pesados, tinha sido um sufoco conseguir a água para enchê-los e agora mais essa! Como eles se atreviam a invadir a casa de sua irmã, mal ele virava as costas? Era um ultraje! “Mas que crianças mal educadas!” – pensava ele – “A gente não pode se descuidar, que eles já saem entrando na casa dos outros e, ainda por cima, fazendo bagunça!”
Cansado, mas igualmente furioso e indignado, ele entrou na casa, pegou uma vassoura atrás da porta e saiu com ela atrás das crianças, gritando que queria todos na rua.
Xingava, corria com a vassoura na mão e os enxotava, tudo muito rapidamente. Foi aí que ele percebeu que as crianças haviam parado de correr, uma mulher estranha havia saído de um quarto e, parada no meio da sala, o olhava muito surpresa (assim como as próprias crianças), mas começou, subitamente, a rir, e tudo pareceu, de repente, ficar muito lento, quase congelado, como num filme em slow motion. Ele ficou sem entender o que estava acontecendo, olhou ao redor e achou que tudo estava muito diferente, os móveis, a decoração...Olhou pra mulher novamente, para as crianças assustadas, novamente para a mulher e perguntou, já adivinhando, mas com medo da resposta: “ essa casa não é a da Noêmia?” e a mulher respondeu, calmamente e apontando:
“ Não. A da Noêmia é aquela ali, do lado.”

CRÔNICA POSTADA EM 2011

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